quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

ANTÔNIO ALVES NETO




A outra ponta da minha identidade cultural.

Com ele, meus primeiros contatos com a boa música, poesia,meu primeiro livro de poesias (que era de sua autoria)Meu primeiro show do Djavan e do Beto Guedes no Verdão. Meu tio me 'apresentou' a Caetano, ao Trem das Cores , a Gal, Fagner, Mercedes Soza, Toquinho, São Piauí (geeeente), Grupo Candeia....Vou longe aqui...
Me fez encantar por Cristovam Buarque e quando falei de Delcídio Amaral PENSANDO QUE DESSA VEZ EU DARIA O TOM, foi ele quem me ensinou, já sabia mais que eu, MUITO MAIS....
Meu tio é daquelas companhias que conseguem me fazer calar ( eu falo pra caramba) , só ouvir (contemplar e aprender) e na hora de ir embora a gente desejar que os ponteiros virem do avesso...
Eu vivia me esgueirando - ser invisível, escondidinha, olhando suas coisas quando ele deixava sobre mesa da sala da minha vó.Pegava pra mim o orgulho dos nobres intelectuais que ele conhecia. Achava aquele povo todo lindo...Quando ele saia pra algum lugar e deixava a porta do quarto aberta, me perdia naquele mundo de cultura infinda (discos, rabiscos, livros, revistas, retratos, cadernos cheios de anotações de uma mente em pleno e constante estado de ebulição, estado de graça). Aquele quarto dele era uma coisa maravilhosa.Aos olhos de outra pessoa, era mais um quarto em estilo colonial, com uma mesinha,uma cadeira, uma cama de solteiro (sempre arrumada),um armário (super organizado), uma estante, guardando os maiores tesouros da casa... 
Aquela estante era meu sonho de consumo, tinha tudo ali  Na mesinha sempre havia um bloco com anotações valiosíssimas.  Será que ele ainda guarda tudo aquilo? Mas era no armário sempre trancado, onde ficavam os vinis -tesouro mais precioso. E brilhavam tanto, e não tinham um arranhão sequer.
Ele me ensinou a limpar com uma esponja flanelada engraçada, colorida de azul e vermelho e um liquido que ele comprava na rua só para esse fim. Parecia álcool  mas era uma espécie de silicone, vinha em um recipiente de plástico desses em  conta-gotas e só podia dois pingos para cada disco.Me ensinou a sempre por no saco antes de levar à capa.Os meus eram uma coisa assim....saca lixa de parede!?
Quando ele juntava os vinis na sala pra limpar, EU GANHAVA O DIA. Quando ele me deixava fazer isso EU GANHAVA O FINAL DE SEMANA INTEIRO. E quando ele esquecia aquele armário aberto...meu deus.....eu torcia pra que só lembrassem de mim dali a umas 4 horas...
Lembro-me bem de um dia em que eu estava fazendo meu programa semanal na Rádio 1º de Julho em,  Água Branca e meu tio estava na mesa de som.Ele era o Diretor da Rádio ( orientava meu programa, me ajudava a organizar e me ensinava a maior parte).Tudo que eu ia fazer, passava pelo crivo dele que dispensava o mesário e assumia o comando para está perto e passar segurança e experiencia. E toda vez que chegavam discos novos, ele trazia pra ver comigo e escolher as músicas de divulgação. Os duas horas do programa passavam rapidinho e ele fazia questão de ficar na mesa de som pra me fazer companhia e pra que tudo saísse bem. Era um sonho...
Bom, continuando....nesse dia,  ele elogiou uma homenagem que fiz pela passagem do dia dos pais e eu fiquei super-orgulhosa de mim porque a música que eu escolhi para tocar depois , ele não conhecia e adorou.(Ele não conhecia aquela música, enfim...uau!)
É do meu tio a mais linda, mais emocionante e mais corajosa poesia de amor que já li. E eu estava lá quando "ela "aconteceu, vi tudo...
Ela não partiu de uma inspiração qualquer, de um flash, nem de uma viagem interna.Partiu de uma decisão, de um acontecimento que mudou toda sua vida e me emociona até hoje.
Essa poesia mexe comigo de uma forma que nem eu entendo...É cortante, é um nó na garganta, é de um força que me emociona sempre....Com ela, meu tio se despediu daquele quarto de solteiro, da sua estante maravilhosa, do seu armário sempre trancado, de todo tesouro nele contido, da sua cama colonial, da  fiel e companheira mesinha, seus vinis, livros, poesias, leituras e anotações sempre em  altas horas da madrugada e foi viver o grande amor da sua vida, com todo meu apoio e torcida.Na época, estava noivo e de casamento marcado, mas não era com a Selma....
 Um ato de coragem que me arrepia até hoje.....


"PARA SELMA"


Não divisei o amanhã.
Para mim
passado e presente,
eram algo só.
Importava a vida
e seu sentido maior.
Nada rebusquei,
deixei acontecer
como tudo acontece...
Quando assim queremos
nada fazer...
Por instantes, ainda sofro,
tranquei-me em mim,
buscando no âmago
respostas nunca tidas.
Depois, tempos depois,
a consciência tranquila,
mas na retina, no corpo
a ausência latente doía-me.
Não foi possível pensar muito,
ou quem sabe um pouco mais,
chegou o dia
em que algo (tudo) em você
falou mais alto.
Se não dissipou as dúvidas,
fê-las insignificantes.
Não valeram as pressões,
os conselhos racionais, nada...
A emoção,
a mais pura emoção,
sobrepunha-se à isso,
na sua forma mais legítima e sincera,
Desejo e amor.

(madrugada de 11.08.88 em Teresina)



O quarto está lá.É o primeiro do corredor à esquerda, depois da sala de jantar. E por mais que a mobília já tenha sido mudada uma centena de vezes, eu só consigo visualizar como se ha 25 anos atrás. Só me permito às lembranças daquela composição primeira e todo aquele aparato riquíssimo, de uma mente brilhante que encheu aquele lugar de cultura, de vida e histórias .Parte significante do meu passado .Descobertas e aprendizado que vivi em silêncio, só a observar.


Não sei como ficou escrito isso aqui, não quero revisar, não quero consertar. Entre minhas lembranças e muita emoção, me transportei para outra década e tamborilei sob os teclados até o fim, em transe. Perdoe-me portanto, todos os erros que por ventura tenha cometido, que não devem ser poucos...Um outro tio meu, que também é Neto, só que Neiva, falou certa vez pra mim, que não se corrige o que foi escrito no calor da emoção, pra não tirar a essência.



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